Guilhermina era uma mulher linda, tinha consciência disso e sabia se valorizar com roupas que a deixavam com uma sensualidade discreta, ou seja, não mostrava, apenas insinuava o que é muito mais interessante. Independente financeiramente, tornou-se carente e descrente de relacionamentos, depois de um noivado desfeito. Pretendentes não lhe faltavam, mas ela vivia reclamando que os homens não queriam nada sério. Para ela todos eles só queriam se aproveitar sexualmente das mulheres. “Todos” é exagero, ela conhecia exceções que, dizem, formam um grupo cada vez mais numeroso: os
gays. Só os homossexuais não se aproveitavam das mulheres. Entre os heterossexuais (e, quem sabe, os bi) ela se sentia a vítima preferida. Mesmo assim ela estava sempre aberta a um relacionamento que lhe desse a esperança de ser um compromisso duradouro.
Uma vez ela ligou para sua amiga Roberta Tambellini, cheia de expectativas:
— Rô? É a Gui! Tô doida pra te contar... Você lembra daquele rapaz que eu te falei semana passada? Aquele da tatuagem de dragão, dono uma fábrica de chocolate artesanal! Então, nós saímos pra jantar num restaurante maravilhoso super-romântico! Depois ele me levou num mirante que tinha uma vista es-pe-ta-cu-lar da cidade e a gente podia deitar numa pedra e ficar vendo as estrelas sem ninguém por perto. Tinha uma neblina que dava a impressão de sonho! Eu só fiquei incomodada quando ele ficou parado me olhando, parecia que tava procurando algum segredo na minha alma, não sei! Quando eu percebi, perguntei logo o que ele tava olhando, pra quebrar aquele clima estranho. Como você não acha estranho uma pessoa ficar te olhando assim? Não importa! O importante é que nos beijamos naquele cenário de sonho! Imagina só, o nosso primeiro beijo parecendo um conto-de-fadas! Só pode ser um sinal dos deuses de que eu encontrei o meu “príncipe encantado”! E que beijo gostoso! Eu me senti nas nuvens só com o beijo, já pensou como vai ser o resto! É isso mesmo, o resto ainda vai ser. Mas deixa eu contar... Eu já tava querendo ir conhecer o apartamento dele, completamente alucinada, quando eu pus a cabeça no lugar e pensei em fazer diferente: no primeiro encontro não, vou esperar até o segundo, ou melhor, até o sexto. Assim ele vai ficar maluquinho e não vai mais desgrudar de mim! E assim fiz: ficamos só nos beijos e o “mão naquilo, aquilo na mão”. Só nos demos conta da hora quando começou a clarear. Mesmo com sono, ficamos abraçados assistindo o nascer do sol. Sem exageros, foi o céu mais bonito que eu vi na minha vida, e você sabe que eu já passei dos trinta! Foi maravilhoso! Depois ele me levou pra casa. Eu preferi não abrir a boca no carro, pra manter aquele clima de sonho, até porque eu ainda fiquei lembrando de tudo que tinha acontecido, ele também não puxou assunto. Quando ele parou o carro na frente do meu prédio, ele quebrou o silêncio perguntando se meus pais não se incomodavam de eu chegar de manhã, eu respondi que eles moravam em Jundiaí e que meu irmão tinha viajado com a namorada. Aí ele falou que a noite tinha sido linda (eu concordei) e que, se eu o convidasse pra subir, essa noite podia se transformar em uma linda manhã. A minha vontade era de aceitar, mas eu pensei: “só no sexto encontro” e resisti dizendo que era a primeira vez que a gente tava saindo e era muito cedo. Ele falou que antes das sete era mesmo muito cedo, mas se a gente desse uma voltinha de carro, podia voltar às sete e cinco e não seria mais tão cedo. Engraçadinho, ele! Eu sorri e... Espera... O meu chefe tá ligando pro meu celular, depois eu ligo! Tchau!
(CONTINUA)